A prática de dança, embora esteja estabelecida como uma forma de arte, pressupõe uma exigência física e um volume de tempo de treino que leva os bailarinos a uma forte exposição ao risco de lesão musculoesquelética (especialmente de sobrecarga).

O perfil traumatológico varia consoante as diferentes populações de bailarinos. Os jovens apresentam patologia associada a cartilagens de crescimento; os homens têm maior tendência para patologia da coluna vertebral e do ombro; enquanto as mulheres têm mais fraturas de stress por diminuição da densidade mineral óssea e conflito posterior do tornozelo (associado à prática da dança em pontas).

Segue-se uma breve descrição das patologias potencialmente incapacitantes, específicas dos bailarinos de nível pré-profissional e profissional:

ANCA:

Ressalto da anca: Sensação de ressalto audível ou palpável. Consiste na fricção da banda iliotibial ou tendão do glúteo médio no grande trocânter; ou corresponde ao ressalto do tendão do psoas-ilíaco no osso púbico. Habitualmente não é patológico, mas deve ser excluído o ressalto intra-articular que pode estar associado a quistos paralabrais ou fratura com fragmento livre.

Lesão do labrum: Degeneração ou rotura da cartilagem que reveste o acetábulo. Associado a conflito femoro-acetabular. A longo prazo contribui para osteoartrose. Dor de início progressivo, inicialmente só com impacto. Pode evoluir para dor à rotação externa da anca e posteriormente dor incapacitante na marcha.

JOELHO:

Tendinopatia patelar (joelho do saltador): Processo inflamatório, que pode evoluir para degenerativo, do tendão rotuliano, sujeito a cargas muito variáveis e forças de tração. Os sintomas mais comuns são dor aguda na chamada de um salto ou sensação de picada distal à rótula durante o grand-plié ou após um período longo com o joelho em flexão.

Rotura meniscal: Os meniscos são estruturas de cartilagem intra-articulares do joelho que absorvem 50% das forças de carga na posição ortostática. Nos atletas é habitualmente de causa traumática, na população geral é mais frequentemente degenerativa. A gravidade da rotura vai depender do local onde ocorre, especialmente se ocorrer na porção mais interna do menisco que é pouco vascularizada e tem pouco potencial de cicatrização.

Osteocondroses (Osgood-Schlatter e Sinding Larsen Johansson): Nas crianças e adolescentes existem cartilagens de crescimento a nível peri-articular, que são muito sensíveis a forças de compressão e de tração, por serem menos resistentes que o osso envolvente. Na doença de Osgood-Schlatter há tração da tuberosidade anterior da tíbia, com inflamação e dor associada. Na doença de Sinding Larsen Johansson há tração do pólo inferior da rótula por ação do ligamento rotuliano. Agrava com a prática desportiva e com saltos e alivia com o repouso.

TORNOZELO E PÉ:

Entorse do tornozelo: A lesão mais frequente nos bailarinos. O mecanismo habitual é flexão plantar com inversão do pé. Pode ser uma lesão ligeira mas também pode ser muito grave com fratura óssea ou lesão ligamentar associada. Pode evoluir para instabilidade crónica da tibio-társica.
Conflito tibio-calcaneano posterior: Inflamação e dor causada por movimentos de flexão plantar repetidos e pela compressão de estruturas anatómicas e conflito de espaço na região posterior do tornozelo. Por vezes leva à formação de um osso acessório (os trigonum).
Fraturas de stress dos metatarsos: Frequente no overtraining do trabalho em pontas e associado a baixa densidade mineral óssea e síndromes de restrição energética. Levam a paragens prolongadas da prática de dança porque é necessário o repouso para a consolidação óssea.
Doença de Sever: Osteocondrose da cartilagem de crescimento do osso calcâneo, em relação com tração do tendão de Aquiles.

COLUNA VERTEBRAL:

Espondilólise: Fratura da pars interarticularis – junção dos pedículos com as laminas e faceta articular superior das vértebras. Dor lombar que piora com o movimento e melhora com o repouso. Sinais ou sintomas neurológicos são raros. Típico em adolescentes e associado a movimentos de hiperextensão do tronco, com pouco controlo e défice de força muscular.
Espondilolistese: Deslizamento anterior ou posterior de um corpo vertebral sobre o adjacente. Associado a treino de saltos e também de hiperextensão do tronco. Se o deslizamento for superior a 25% pode causar instabilidade da coluna vertebral.
Para a prevenção de lesão, é essencial que os bailarinos sejam acompanhados por uma equipa interdisciplinar. O programa de prevenção de lesões desportivas mais amplamente difundido é o FIFA 11+, para futebol. Demonstrou reduzir a incidência de roturas musculares, taxa global de lesões nos membros inferiores e ainda se verificou a diminuição do absentismo laboral. Em 2022, Kolokythas et al. criaram o Dance 11+. Para além do treino propriocetivo e de flexibilidade, está recomendado o fortalecimento muscular dos estabilizadores pélvicos, glúteos, abdominais, paravertebrais lombares, quadricípite e isquiotibiais.

 

Referências
1.  Smith PJ, Gerrie BJ, Varner KE, McCulloch PC, Lintner DM, Harris JD. Incidence and Prevalence of Musculoskeletal Injury in Ballet: A Systematic Review. Orthop J Sports Med. 2015 Jul 6;3(7):2325967115592621. doi: 10.1177/2325967115592621. PMID: 26673541; PMCID: PMC4622328.
2. Stracciolini, Andrea & Yin, Amy & Sugimoto, Dai. (2015). Etiology and body area of injuries in young female dancers presenting to sports medicine clinic: A comparison by age group. The Physician and sportsmedicine. 43. 1-6. 10.1080/00913847.2015.1076326.
3.  Smith PJ, Gerrie BJ, Varner KE, McCulloch PC, Lintner DM, Harris JD. Incidence and Prevalence of Musculoskeletal Injury in Ballet: A Systematic Review. Orthop J Sports Med. 2015 Jul 6;3(7):2325967115592621. doi: 10.1177/2325967115592621. PMID: 26673541; PMCID: PMC4622328.
4. Mendes-Cunha S, Moita JP, Xarez L, Torres J. Dance-related musculoskeletal injury leading to forced time-loss in elite pre-professional dancers – a retrospective study. Phys Sportsmed. 2022 Oct 3:1-9. doi: 10.1080/00913847.2022.2129503. Epub ahead of print. PMID: 36166373.
5. Kolokythas, Nico PhD1,2,3; Metsios, George S. PhD1; Galloway, Shaun M. PhD1; Allen, Nick PhD3,4; Wyon, Matthew A. PhD1,4. 11+ Dance: A Neuromuscular Injury Prevention Exercise Program for Dancers. Strength and Conditioning Journal 44(5):p 1-9, October 2022. | DOI: 10.1519/SSC.0000000000000692